O trabalho e a espiritualidade
Artigo de Moacir Sader

Sempre estou me questionando sobre a espiritualidade. Um dos questionamentos que sempre tenho feito diz respeito ao modo de viver a espiritualidade fora dos templos e especial no trabalho, onde passamos grande parte de nossos dias.

Atualmente, tenho lido sobre gestão estratégica, liderança e outros temas ligados à gestão de pessoas e de empresas. Tenho observado que diversos autores especializados em Administração estão procurando ver os empregados das empresas de uma forma holística. Desapegando-se das visões tradicionais do passado, que viam o homem somente como aquele que trabalha, modernamente, o ser humano tem sido visto também como aquele que pensa, que sonha, que ama e que tem várias outras atividades fora dos locais de trabalho, inclusive uma família, sendo ainda um ser espiritual.

Confirmando esse enfoque holístico, vale a referência ao livro “O Monge e o Executivo”, do autor James C. Hunter, de cuja leitura engrandece a todos, surpreendendo àqueles que, por ventura, persistem com o enfoque antigo sobre a ligação homem-trabalho.

O autor desse fascinante livro nos apresenta um personagem por deveras surpreendente: Leonardo Hoffeman, um empresário de renomado sucesso e especialista em liderança, larga tudo para ser tornar um monge beneditino.

Neste contexto, um outro personagem do livro, John Daily, bem sucedido em suas atividades profissionais, resolve participar de um seminário a ser ministrado por Leonardo Hoffeman, vez que se sente fracassando em sua vida, sobretudo enquanto chefe, esposo e pai.

John e outros quatro personagens participantes do seminário aos poucos vão superando os ceticismos e envolvendo-se nos ensinamentos do monge. O monge parte da premissa de que um grande líder não é aquele que detém o poder, mas, sim, a autoridade. O poder, segundo o guru, é fruto de posição e de cargo, mas tais posições necessariamente não levam os seus detentores a possuírem autoridade, vez que o poder sempre é imposto, mas a autoridade é conquistada.

E como se chegar à autoridade? Segundo o monge, a autoridade é conquistada com amor, dedicação e sacrifício, partindo do respeito, responsabilidade e cuidado com as pessoas que o cercam no trabalho e fora dele.

Surpreendendo ainda mais os alunos, o monge afirma que uma pessoa se torna um grande líder, quando passa a servir aos seus liderados. Para exemplificar o que ele estava querendo dizer sobre servir, cita o maior de todos os líderes, Jesus Cristo. Esse líder singular viveu sua vida para servir, praticando o verdadeiro amor ao próximo, ensinando, tocando, acariciando, curando todos aqueles necessitados. Assim, se tornou líder em sua família, em sua região e em todo o planeta.

O vocábulo “servir” está diretamente ligado à idéia citada pelo monge: ter cuidados com as pessoas. A palavra “cuidado” remete-me a um outro livro, lido há alguns anos, intitulado “Saber Cuidar – Ética do humano – compaixão pela terra”, do autor Leonardo Boff.

Leonardo Boff defende, no livro, a necessidade do ser humano em desenvolver a capacidade de cuidar de si, das pessoas nas relações sociais e de toda a natureza. Segundo o autor, a falta de cuidado se apresenta constante em nossos dias, atingindo o planeta Terra e as pessoas. A população mundial, em torno de setenta por cento, está sacrificada e relegada a uma péssima qualidade de vida e os recursos naturais do planeta estão gravemente comprometidos. Para se encontrar o caminho de salvamento, precisa-se de atuação urgente no sentido de inverter a rota, do atual descuido geral para o consciente cuidado com a natureza e com as pessoas. Uma nova filosofia com enfoque holístico (preocupação com o todo) é a alternativa para combater o materialismo de hoje e o nefasto modelo econômico, onde, lamentavelmente, o que importa é o lucro, não as pessoas.

Opondo-se ao descuido, tão em voga no tempo atual, Boff defende a urgente opção pelo cuidado. Cuidar, como ele diz, é mais que um ato, é uma atitude de preocupação, de responsabilidade e de envolvimento afetivo com o outro. As pessoas, além de corporais e psíquicas, são seres espirituais. Premente se torna, portanto, valorizar esse lado espiritual com sentimento; praticando, ainda, o cuidado com a Terra, com a vida, com a sociedade e com o destino das pessoas, sobretudo da grande maioria empobrecida. Para enfocar o valor do cuidado, o autor apresenta a fábula-mito escrita por Higino, que morreu no ano dez da era cristã. Diz a fábula que o:

Cuidado vê um pedaço de barro e lhe dá forma. Júpiter sopra e o barro passa a ter espírito. Quando o Cuidado quis dar nome à criatura, Júpiter o proibiu, pois quis que fosse imposto o seu nome. Neste momento surge a Terra, ela também quis conferir o seu nome à criatura, alegando que a criatura fora feita de barro, mesmo corpo da Terra. Houve, então, uma discussão entre os três. De comum acordo, eles solicitaram a Saturno que agisse como árbitro e ele tomou sua decisão falando o seguinte: “Júpiter, você lhe deu o espírito, receberá de volta este espírito, quando a criatura morrer; Terra, você lhe deu o corpo, receberá de volta o seu corpo, quando a criatura morrer; Cuidado, você, que primeiro moldou a criatura, ficará com a responsabilidade de cuidar dela, enquanto ela viver; quanto ao nome, decido eu, esta criatura se chamará Homem, isto é, feita de húmus, que significa terra fértil”.

Entende-se por fábula a narrativa imaginária com o objetivo de transmitir lições morais, tornando concreta uma verdade abstrata e por mito as representações da consciência coletiva. Com esse entendimento, pode-se dizer que a fábula-mito, citada pelo autor, vem de modo especialíssimo enfatizar a importância primordial do cuidado a ser observado pelo ser humano em toda a sua caminhada terrestre, sem esquecer que, sendo também formado de terra (feito de barro), o homem deve interagir com toda a dimensão material de determinada região física do planeta, mantendo-se total inter-relação com o universo também, preocupando-se, igualmente, com o seu lado espiritual.

E como deve ser esse cuidado, que todos nós devemos ter? Leonardo observa que, em essência, mais que ter cuidado, o homem é o próprio cuidado, pois, sem ele o homem deixa de ser humano. O cuidado significa carinho, vigilância, dedicação, solicitude, zelo, atenção, bom trato, etc, para com as pessoas, para com os animais e com a natureza.

Este autor vê o modo de ser do trabalho voltado muito para o que ele chama de ditadura, encontrada ainda em grande escala, pois há falta de respeito com os trabalhadores, com as pessoas humanas, valendo mais o capitalismo selvagem, que pode destruir o planeta. Urge, portanto, o resgate do modo de ser do cuidado, o corretivo indispensável, para o resgate do respeito e do sentimento por todos, sobretudo pelos excluído, com vistas a uma justa vida social. Para que esta postura aconteça, é preciso a ênfase no sentimento, vez que a razão se apresenta de maneira limitada; o sentimento, sim, é verdadeiramente a lógica do coração. Segundos estudos de especialistas no assunto, a mente emocional se manifesta mais rapidamente, sendo o primeiro impulso o do coração e não o da mente.

É a partir desta ênfase no emocional que o cuidado deve se manifestar para com todas as pessoas e para com a natureza. Leonardo observa ainda que é com o sentimento que surge a capacidade de simpatia e empatia (colocar-se no lugar do outro), a dedicação, a comunhão com os diferentes. É o sentimento que torna o homem sensível a tudo que está a sua volta, gerando o gostar. É o sentimento que une o homem às coisas e o envolve com as pessoas. Mais que a tese cartesiana: “penso, logo existo”, vale o conceito: “sinto, logo existo”.

O amor, segundo o pensamento de Leonardo Boff, manifesta-se no ser humano gerando a família e por conseqüência a sociedade. Mas se não acontecer o amor, o social é inevitavelmente destruído. A competição, tão em voga na atualidade, é uma atitude anti-social, porque ela nega o outro, recusa a partilha e o amor ao próximo. A competição é, pois, excludente, inumana, fazendo tantas vítimas, impedindo um presente e um futuro melhor para a humanidade e para a Terra. Sem amor, o homem não é ser social; sem o cuidado essencial, o amor não ocorre, não se conserva, não se expande, nem permite a ligação profunda dos seres, não inspira a vontade de partilhar e vivenciar o verdadeiro amor.

Boff posiciona-se no sentido de que para se chegar ao cuidado, devemos encontrar a justa medida, o equilíbrio entre o mais e o menos, o que ele chama de “a regra do ouro”. É na ética que a justa medida deve ser buscada, com equilíbrio, para se chegar ao melhor cuidado possível com o planeta, com a ecologia, com a sociedade sustentável, com os pobres, oprimidos e excluídos, com o nosso corpo na saúde e na doença, com a cura integral do ser humano, com o nosso espírito e, finalmente, com a morte, que ele chama de “a grande travessia”.

“Equilíbrio” é mais uma palavra que me leva a outro livro, recentemente lido, com o título: “O sucesso está no equilíbrio” de Robert Wong. Esse livro trata de diversas trilogias, todas enfocando o equilíbrio como elemento essencial para a plena realização do ser humano, interligando o profissional (o trabalho), a vida pessoal (social e amorosa) e a espiritual (valores e religião).

Robert defende a tese de que devemos ser menos normais e mais naturais, pois ser normal é seguir as regras da sociedade, que são geralmente falsas, por não captarem a nossa totalidade humana, levando-nos a comportamentos formais, quando não hipócritas. Ser natural é seguir as leis da natureza, que são sempre absolutas, é ter comportamento com palavras sinceras, interação de olhar e ênfase na intuição.

Wong alerta sobre a necessidade de nos livrarmos da triste trilogia (medo, raiva e culpa), que nos impede de avançar inteiros. O medo que precisamos superar é o medo virtual, quase sempre irreal. A raiva, quando aparecer, devemos nos pôr fora do contexto, como expectador para analisar friamente a questão e contar até dez, evitando, assim, a perda do equilíbrio, o que levaria conseqüentemente a dizermos e fazermos o que, depois, nos arrependeríamos. Sobre a culpa, devemos perdoar às pessoas e principalmente a nós mesmos. Livres destas três amarras, estaremos focados no presente, neste instante maravilhoso em que a vida se renova e onde podemos viver, trabalhar, criar, amar e ser felizes.

Em outra trilogia, esta sim positiva, o autor Robert enfatiza a importância do intelecto (mente), instinto (corpo) e da intuição (alma). Esses três aspectos precisam existir e ser vivenciados, pois da combinação do intelecto com o instinto nasce a emoção, da união do instinto com a intuição surge a sensibilidade, e da junção da intuição com o intelecto, brota a criatividade. E da feliz união (emoção, sensibilidade e criatividade) chegamos ao que ele chama de iluminação. Com a iluminação, a criança e as almas masculina e feminina que existem em cada pessoa recomporão o universo humano e tudo se transformará em sucesso com equilíbrio e confiança em nós, nas pessoas e na vida.

Sou remetido com a palavra “confiança” a novo livro. Os autores William A. Jenkins e Richard W. Oliver, no livro “A Águia e o Monge - os 7 Princípios da Mudança Bem-Sucedida”, por intermédio de uma belíssima fábula, levam-nos a pensar e concluir que em todos os lugares e também no trabalho precisamos confiar, confiar em cada pessoa, confiar no trabalho em grupo. Esses autores, especialistas em gestão de pessoas, de empresas e liderança, apresentam no livro sete princípios para se alcançar o sucesso, entre os quais está o enfoque em se trabalhar em grupo, com verdadeira confiança, vendo cada componente do grupo um ser humano integral.

Para ver o ser humano de forma plena, é fundamental sermos igualmente integrais. Esse tema me lembra outro especial livro, intitulado “O homem que tocou os segredos do universo”, do autor Clenn Clark. O livro trata da vida e dos pensamentos de Walter Russell, um gênio da música, literatura, arquitetura, pintura, escultura, da filosofia e das relações humanas, tendo freqüentado apenas a escola primária. A vida deste americano parece ter sido um milagre, mas ele acreditava na divindade existente nele, em quem cofiava plenamente e, por isso, tudo podia realizar.

Walter Russel, esse fantástico ser humano, ensina as cinco leis do sucesso: 1ª - Humildade: o indivíduo, para Walter, antes de tudo precisa se dividir e servir aos seus semelhantes através dos serviços ou compartilhar os seus pensamentos. 2ª - Respeito: é preciso ter profundo respeito em saber que todas as nossas realizações são frutos de nosso ato de interpretar o pensamento universal. 3ª - Inspiração: a inspiração surge para aqueles que sintonizam plenamente com o universo, harmonizando-se e comungando com os seus ritmos. Tanto a inspiração, quanto à intuição, são linguagem de luz, que fazem os homens e Deus se intercomunicarem. 4ª - Propósito profundo: Através de intenso desejo e energia-pensamento dinâmica, podemos tudo realizar, tornando-nos grandes criadores. 5ª - Alegria: a alegria de uma realização concluída é que nos recarrega para novo empreendimento, por isso ela é importantíssima.

A “alegria” é destaque também no livro “Viabilizando talentos - Como semear o crescimento pessoal e profissional”, de João Roberto Gretz. Para esse autor, a alegria é importante para os resultados positivos. Havia no passado a restrição das empresas para a manifestação da alegria, mas agora se sabe que ela inspira, traz a felicidade e motiva para a realização de novas tarefas, gerando sucesso. Gretz ainda defende a visão integral do ser humano para a plena realização enquanto trabalhador. O sucesso acontece para quem efetivamente é ser humano integral, feliz e sabe o que se quer alcançar.

Nesta linha de pensamento, o autor Léo G. Almeida, do livro “Gestação de Processo e a Gestão Estratégica” ensina que para ser eficaz é preciso saber o que deve ser feito, como fazer e porque fazer e ter condições de realizar e, sobretudo, de forma primordial, ter satisfação em realizar o seu trabalho.

Como vimos, precisamos praticar a espiritualidade no trabalho e em todos os lugares, com dedicação e alegria, pois vivenciar a espiritualidade somente nos templos não é o mais correto, visto que as religiões se constituem apenas como uma das portas para o espiritual.

Leonardo Boff, no livro já citado, defenda a tese de que as religiões ainda que revitalizem uma dimensão da existência, o espaço institucional do sagrado e o seu poder histórico-social, não conseguem gerar nas pessoas um modo de ser mais solidário e nem origina uma espiritualidade capaz de tudo religar, inclusive no Deus criador. O importante, destaca Boff, não são as religiões, mas sim a espiritualidade subjacente. A espiritualidade, sim, é capaz de ligar, religar e integrar. A espiritualidade, sim, é o paradigma (o modelo, o padrão) da nova civilização.

Vale aqui a lembrança do maior líder que a humanidade já conheceu, Jesus Cristo. Ele vivenciou a sua espiritualidade com muito amor e alegria em todos os lugares em que esteve, e diga-se, de passagem, muito pouco atuou dentro de templos.

Urge de forma premente a necessidade de sermos integrais, seres espirituais em todos os lugares e em nosso trabalho, preservando o meio ambiente, cuidando inclusive dos animais, vivendo com amor, com alegria, respeitando todos os seres, confiando nas pessoas, vendo-as com parceiras, interagindo com empatia, para melhor entender o nosso semelhante, e, por fim, servindo ao próximo com o melhor de nós, numa interação que frutificada em reciprocidade criará o verdadeiro laço fraterno, quando efetivamente estaremos sendo, como de fato o somos, irmãos em espírito.


Luz, amor e conhecimento.

Moacir Sader
Mestre de Reiki Usui, Karuna e da Chama Violeta